31/10/2004

bendigo o silêncio

Bendigo o silêncio que me envolve; há tão-somente o chilrear dos pardais que no meu quintal fazem os tais voos palermas; são imensos e, neste momento, com o vento norte que sopra um pouco forte, esse piar dilui-se porque o som vai para sul deste meu canto. Me encanto, sem espanto, neste doce manto de paz e de solidão. Não estou triste nem a mágoa me consome apesar de tal estado ser enorme. Me entrego a ela em paz e com muita serenidade; não faço alarde nem a tento afastar. Aguardo apenas; aguardo o que houver para aguardar; não vou apressar o passo para passar em frente o que tenha de vir ainda a passar; não sei o que está para vir mas sei que algo virá. Bendigo, pois, o silêncio que me envolve. Sinto-me nele como dele fosse parte e não existisse sem que ele me deixasse; penso mesmo que, presentemente, eu deixaria de ser o que sou se o silêncio me abandonasse; no entanto, grito e desejo que tal aconteça, grito e anseio que ele desapareça, que algo surja para eu rir às gargalhadas. Porém, me assalta uma dúvida: que outra paz e serenidade poderei ter se este silêncio me abandonar? Será que a luta e o movimento será uma outra paz? Será que quando o actual silêncio me abandonar eu irei ter novamente um outro silêncio? Há muito já que ele faz parte de mim, ou se calhar não tanto tempo assim; todavia, a contagem até nem é importante, nós é que damos a importância que se sente deva ser dada, ou talvez não, talvez nem mereça ser assim tão doce ou mesmo breve; é que não sei se o estado de alma que sinto é doce e longo se amargo e curto, se amargo e longo ou doce e curto; sei apenas que me sinto bem e ao mesmo tempo sei que não o posso aguentar muito mais tempo. Tragédia esta a minha que de tão simples a faço tão complicada. Mas não seremos nós os complicadores que de tanto complicarmos as coisas, estas se tornam mesmo complicadas? Se calhar assim é. Resta-me, por isso, a esperança de que seja eu que esteja a laborar num erro e não que seja o erro um erro em si mesmo. O nevoeiro que nos cobria há 48 horas dissipou-se; o sol está novamente brilhando; pode ser que seja um bom augúrio, ou talvez apenas uma mudança de vento; que seja o que tiver de ser; nada mais simples que aceitar o que nos for dado vivenciar. Bendigo, portanto, o silêncio que me envolve. No entanto, espero apenas (nem que seja um grito) que algo me acorde.

30/10/2004

29/10/2004

ouvindo a noite

...sentado nesta cadeira de frente para o meu computador, numa mesa de madeira, branca de sua cor, eu teclo nas letras paradas ao redor dos meus dedos...preparo um texto, sem contexto, com uma textura qualquer, talvez de amargura...não me preocupa a forma, nem as palavras que me vão deslizar pelos dedos e destes para o écran que, de vez em quando, olho prevenindo um possível erro de escrita...não me preocupa o tema, mesmo que sem lema não se torna um dilema neste plural sistema de escrever prosa ou poema...

...trata-se de fazer deslizar apenas o teclado pelos meus dedos e deixar sair as palavras da minha mente numa constante busca da semente do significado para aquilo que estou a fazer neste momento...e que faço eu, nesta hora, aqui, sozinho e agora, batendo lento ou apressado nas teclas do meu teclado...olho em frente e vejo um relógio que marca as horas lentas que passam por mim e que marcam o tempo de viver a sorrir e a amar...

...tudo e todos, sem olhar a quem...somente por amar...

...e que espero eu obter desse amargor doce da alma que sofrendo não chora, pelo contrário, vive e implora...e que espero eu senão encontrar o caminho mais leve que me percorra o corpo como quente neve branca como o luar que lá fora, no céu cinzento, teima em espreitar numa noite fria de chuva que se aproxima do meu solitário estar...

...não percorro os corredores do dia que passou nem choro as lágrimas que retive dos acontecimentos que por mim passaram como uma brisa leve pousando no lugar onde estou e me sinto pairar dentro do meu próprio eu...

...procuro o sentido da vida que não encontro, numa procura constante de mim mesmo, na luta insana da loucura que afasto de mim nem que seja por um instante...

...e esse instante está chegando na forma da noite que se aproxima, daquele estado de espírito que me anima, pois a solidão resta a meu lado sem um mudo som ou qualquer grito abafado...

...e aqui fico, esperando a noite chegar para nela me agachar e aninhar...povoar nela os meus sonhos de aqui me sentir e de aqui gostar de estar, neste lado do meu mundo, sozinho, de dia ou de noite, a mim próprio mentindo...

...mentindo-me em constante delírio duma busca que ufana luta me provoca na mente que, pensando, não me escuta...

...e não me oiço a pensar, nem quero sequer isso imaginar; oiço apenas a noite chegar e a sua escuridão me abraçar, sem me possuir nem me ter, apenas me rodeando de um leve prazer por ouvir os seus sons sobre mim verter...

...e vertem-se esses sons em pancadas surdas de palavras mudas, livres e desnudas de sentido ou de intenção...

...a noite traz paz ao meu coração...ouvindo-a, fico sossegado e dou a mim próprio a minha própria mão...segurando-me para não a possuir...para ficar aqui e não ir...

...senti-la apenas num, pequeno que seja, luxuriante som...

...Ouvindo a noite, parto para o êxtase do meu ser, não pretendendo ver, apenas ouvi-la...

...dentro de mim, a bater...

27/10/2004

amar como o vento

"Em cada relação que começa, a vida e o amor renascem. A paixão coloca cada pessoa num ponto alto e excepcional, inevitável e imperdível. Gostosamente. Mas as pessoas no seu melhor vêm depois, às vezes muito depois, quando se chora e luta, quando se aceita e se resiste, quando se constrói e quando se acredita. As verdadeiras relações, os grandes amores são sempre virtuais. Não por serem irreais, antes por serem imateriais, apesar de nos darem a ilusão de um corpo, de um suporte material que tocamos e possuímos, que acreditamos nosso, real, físico, material. Sentimos amor, quase conseguimos tocar, agarrar essa sensação. Dizemos convictos que é real. Olhamos o outro nos olhos e parece real, parece que o outro ali está e nos ama mais que nós... Mas ver, sentir, tocar, são formas de aceder ao amor, ascensores, facilitadores. Difícil mesmo é planar. As relações são feitas de ar, planar. É no vento que se ama. Talvez ser o próprio vento, e não a folha. Vê-se melhor o que é amar quando é difícil amar, aceitar que é sempre mais do que improvavelmente, um esforço, um desejo, um empenho pessoal em algo que materialmente não existe, não é palpável nem mesmo se sente. Nunca se ama realmente, a realidade do amor é nunca ser real. Virtual. No dia a dia, corpo a corpo, sonha-se o amor, sonha-se um amor virtual, que se não for virtual não é amor. Virtual porque não depende da presença do outro, da aparência do outro, do comportamento do outro. Um amar que perdura e se sustenta (Vento) mesmo quando não vemos o outro. Amar é memória, antecipação e crença profunda em memórias que hão-de vir. Virar a cara a quem nos vira a cara, sabemos todos que é real, bem concrecto, mas não é amar. Ama-se mesmo quem não nos ama e nos quer deixar. É na paciência, na persistência que se mede o amor. Amar é escolher amar. Depende de quem ama e não de quem é amado. Depende do esforço e disponibilidade de quem ama. Ninguém merece ser amado, porque ninguém pode deixar de merecer ser amado. Não depende do mérito, não depende do comportamento, não se vê nem se comprova. Posso ter que silenciar, posso ter de partir... vai comigo o amor."
(from: autoria devidamente identificada)

26/10/2004

25/10/2004

questão de oportunidade

...às vezes é uma questão de oportunidade...ou se está lá no momento exacto ou não...

...às vezes é uma questão de amar ou não amar...é só saber se se ama ou não...

...como descobrir se amamos alguém? É simples. É estar. É ser. É sentir. É viver. É dar. É usufruir. É fluir. É pensar. É querer!...

...é, sobretudo, dar...quando sentimos que estamos a dar a nossa atenção a outrém, quando sentimos que estamos a dar o nosso melhor em favor de alguém, quando sentimos que o importante não somos nós mas aquele que ali está e que precisa de nós...aí, sabe-se que se está a amar alguém...

...e, às vezes, é uma questão de oportunidade.

Muitas vezes nunca passa por nós a pessoa certa e nunca nos damos ao "trabalho" de saber se não seria aquela pessoa a pessoa certa...e ela se vai...e nunca mais a veremos...é uma questão de oportunidade...sentir no momento exacto que alguém precisa de nós e nesse exacto momento nos darmos e então aí saberemos que estamos a amar...

...não é difícil...talvez, na realidade, seja uma questão de oportunidade...

...olhai bem em volta, à frente e atrás...pode ser que alguém precise de vós...e se esse alguém lá estiver...não percam essa oportunidade de amar...nesse momento sereis felizes...

23/10/2004

Uivo sobre o glaciar

Levantou-se com um sobressalto, daqueles que nos erguem a coluna com uma inspiração sôfrega de desespero na garganta. A escuridão estava toda tingida de azul. Uma estranha luminosidade azul que vinha do lado de fora da janela. Espreitou por trás do veludo já velho e viu o vidro da janela quebrado, estilhaçado no canto inferior esquerdo. Tocou-lhe e automaticamente levou o dedo à boca, sugando o sangue do corte que acabara de sofrer. Um breve gemido de dor, frustrado de fúria. A lua tinha desaparecido, tinha deixado um buraco no céu. Sentiu um arrepio como uma corrente de ferro a mover-se no interior da espinha. Julgou ouvir ruídos, um estalar de madeira, ecos de passos atrás de si, o som das sombras... Voltou-se e tremeu. Não olhou sequer para si própria. O chão estava alagado, os pés descalços enregelavam-na. Ouvia uma torneira aberta, pingava lentamente, com o peso da tortura. Segurou a cabeça com as mãos, crispando os dedos entre os cabelos, tapando os ouvidos quase até ao limiar da dor. Correu para a floresta a sul da sua janela, engolida pelo redondo do uivo que suspirava por todo o lado à sua volta. Não se vestiu. Tudo continuava assustadoramente azul, os seus olhos ferviam e faiscavam, fazendo perguntas às estrelas ausentes. Correu num ritmo deslumbrante, na sua deslumbrante figura pálida. Se a víssemos em pausa, acharíamos a mais bela fotografia do mundo... Correu atrás do Lobo. Sonhara com ele durante 10 noites seguidas, um segundo mais cada noite, até que o sonho a puxou para dentro e ela foi ao seu encontro. Correu atrás do Lobo, dominada pela loucura. Gritava o nome do seu amor, como se chamasse por ele. Gritava, gritava, gritava... O Lobo deixou de estar à sua frente, e surgiu-lhe pelas costas, quando vergou os joelhos e caiu no chão húmido. Tinha chovido nas horas anteriores, muito certamente. Arranhou a terra com as unhas como punhais. Sentiu um frio muito fino percorrer-lhe a parte de trás do pescoço, desde a nuca, descendo até à cintura. Depois um calor imenso a escorrer-lhe pelos braços. Tinha o Lobo por cima do seu corpo, num qualquer movimento extasiante, sentia-o roubar-lhe a vida ao mesmo tempo que a alimentava de eternidade. A escuridão torna-se tão intensa que explode em luminosidade. A noite quebra-se em mil fragmentos. Tudo inundado de azul, o olhar dela num fervilhar insustentável de paixão. Está um homem ao seu lado. Está frio. O branco tinge-se de vermelho. O chão absorve-lhe o sangue frio. Desce da pele glaciar tão suavemente como a mão ávida desliza sobre o gelo... O olhar ficou preso no infinito. Um gesto último de desespero suspenso na mão. E a boca entreaberta, no último suspiro com o nome do seu amor.
(oferta)

21/10/2004

Cristiana

...Cristiana veio a seguir ao Nuno (meu primogénito)

....faz hoje 33 anos que me deu a alegria de ser pai pela segunda vez

....longa caminhada esta que nos levou por estradas tão diversas

....sendas percorridas com risos e lágrimas

....metas que não estão escolhidas mas que serão atingidas

....com esperança no peito e um sorriso na alma

....parabéns filhota!...

...um beijo muito grande


20/10/2004

19/10/2004

caminhando

...um dia, que possa ser bem distante deste, olharei para mim e reconhecer-me-ei; hoje, ainda não sei quem sou... deambulo como se o fizesse mecanicamente... um dia, que possa ser bem distante deste, postarei aqui um texto sem emendas, sem rasuras e sem entrelinhas; direi, nessa altura quem sou, pois só nesse momento saberei para o que vim... não vou pedir alvíssaras por me ter encontrado nem me vou premiar por ter lá chegado... olharei apenas para mim; servirá um simples espelho.
Nele verei estampado um rosto que não é o que tenho agora mas o que verei ali retratato; depende dos olhos que olharem e da alma que me verá... não sei se me saberei ler bem fundo nos meus próprios olhos... mas vou levar uma cábula e talvez me ajude a entender-me um pouco melhor... hoje, ainda não me conheço mas nem por isso esmoreço... caminho ainda na demanda, sabeis que sim porque todos sabem quem sou; eu não, porque não sou eu que aqui estou... ainda vou a caminho de lá, a caminho de saber o que vim aqui fazer... tarefa dificil esta... no entanto, sorrio antecipadamente porque nesse dia, finalmente, me vou poder ler... nessa altura, saberei o porquê de tudo...

18/10/2004

reunião



...de ancestralidades... a meta final... o caminho a seguir...







(photo in: vozdovento.blogger.com.br)

17/10/2004

parar

...todos querem descansar..."só quero descansar"... olhar para dentro e visionar a alma... olhar para o que nos cerca e disfrutar a calma... sentir o odor do silêncio e ouvir o cheiro do vento... tactear o nada à nossa volta e provar o sabor da solidão... sorrir ao tudo que não vemos e gritar ao nada que temos... são apenas palavras ou frases gastas na tentativa de compor um laço perfeito de sons num riso de cores esbatidas na tela da vida... só isso e um sorriso...

15/10/2004

tempo

...num certo dia em que não tinha tempo, esperei algum tempo para ver se arranjava tempo para ver porque razão é que não tinha tempo para ter tempo para pensar no tempo

...então dei por mim a ter tempo para pensar no tempo de ter tempo para mim

...foi quando vi que o tempo era uma coisa sem tempo para me dar o tempo que não tinha...

...decidi que não existe o tempo...

...apenas existo num tempo sem tempo para ter tempo de pensar no tempo

...por isso não penso no tempo pela simples razão de que não existe tempo para eu pensar em ter tempo para pensar no tempo...

14/10/2004

guilherme

...e porque hoje o meu neto mais novo faz 3 anitos, aqui fica um beijo muito grande deste avô babado...

13/10/2004

milagre



do sol, 87 anos depois...

(não quis deixar de lembrar o 13 de Outubro de 1917)

11/10/2004

par

...não há perto nem longe, nem local nem ausência, nem fuga nem prisão. Para amar basta querer ser e estar... numa entrega total. Não ser apenas um corpo com outro corpo mas ser muito mais do que isso: ser o par!... Ser o desejo de ser; ser o desejo de estar ali em corpo e alma numa fusão única, num momento só...

teimosamente

Teimosamente, os representantes de Cristo na Terra, mesmo com 2000 anos já passados, como que ainda estando escondidos nas catacumbas de Roma, dizia eu que, teimosamente esses representantes continuam a esconder Cristo dos Homens, através de atitudes que a Igreja Mãe, Católica Apostólica Romana, continua a ter ao não permitir que Cristo seja visto por todos os Homens, como Alguém que está sempre ao nosso lado, sempre presente em todos os actos da nossa vida, dando-nos a Sua mão, dando-nos o Seu amor de paz, dando-se Ele próprio como numa catarse de unidade e amor global. Os representantes de Cristo na Terra continuam a fazer separações no seu rebanho, por vezes não procurando recuperar as tresmalhadas, por vezes não procurando amar as que verdadeiramente precisam de amor, por vezes dando atenção às hipocrisias no templo e ficando desatentos aos que, temerosos, não sentem a coragem de pedir ajuda.

Teimosamente, continuam a não deixar vir a Mim as "criancinhas" cabendo nesta classificação todos aqueles que ainda são "novos" nos caminhos para Deus...

Teimosamente, continuam a tapar Cristo dentro dum Sacrário, num Cofre, para que Ele não saia por aí dando o Seu amor a toda a gente.

Teimosamente, continuam a abrir o Sacrário apenas àqueles que muitas vezes brancos por fora se encontram escuros por dentro.

Teimosamente, continuam a abrir o Sacrário apenas quando entendem que o devem abrir e não quando lhes pedem para que o abram...

Teimosamente, continuam a não dar ouvidos àqueles que ávidos de Amor Divino, lhes pedem tão somente uma palavra de conforto, um ouvir duma lamentação, uma confissão para que o coração se purifique, um pouco do Corpo de Cristo para que as suas Almas sejam salvas...

Teimosamente...continuam a esconder Cristo ao Homem...

10/10/2004

imagem



...preciso disto; desta imensidão; não deste fogo mas sim da ilusão que ele invoca; desta leveza que sufoca; desta imensa beleza que de dor num sorriso em mim provoca...

09/10/2004

hoje



...e porque hoje gotas de chuva também me lavaram a alma

...e porque hoje também despi meu corpo e me olhei inteiro

...e porque hoje senti a sombra da minha ausência

...e porque hoje sorri à solidão e não fechei a janela

...e porque hoje abri a porta e entrei dentro de mim

...e porque hoje berrei o silêncio e o grito calei

...aqui vim e me quedei sorrindo do choro que ainda não chorei...

08/10/2004

lembrar

...lembrar este Homem, meu Pai, que se ainda estivesse na nossa companhia, faria hoje 90 anos...lembrar este Homem, meu Pai, que só sabia viver para os seus, que eu amei e de quem tenho imensas saudades...um abraço, Pai...

07/10/2004

trindade

Distinguem-se 3 tipos de amor, susceptíveis de encaixarem uns nos outros:

1. EROS (erotismo). É o amor carnal, sexual. O desejo físico do outro exprime-se pela paixão amorosa, vivida, muitas vezes, na falta e no sofrimento.

2. PHILIA (amizade). O amor carnal evolui para o amor-ternura. Não é mais somente um instinto carnal, ou uma concupiscência. Ele dá-se. É alegre, expansivo. É o amor conjugal realizado e aquele que é dado aos seus filhos e reciprocamente. É também amizade. No entanto, permanece mais ou menos interessado.

3. AGAPE (caridade). É o amor dado sem procura de contrapartida. É o bem por excelência. Os crentes encontram a sua fonte em Deus, que é amor.

Há pois oposição entre o amor-EROS de concupiscência e de cobiça, e o amor-PHILIA, ou Agape, que são amores de benevolência e de amizade. Quer-se bem a alguém, em vez de o possuir. Os dois sentimentos, na maior parte das vezes, justapõem-se.

O amor-EROS não é uma virtude. «É uma questão de sentimento e não de vontade, diz Kant, e eu não posso amar porque eu o quero, menos ainda porque eu o devo; daí se conclui que um dever de amar é um contra-senso.»

Efectivamente, «o amor não se comanda porque é ele quem comanda, diz A. Comte-Sponville.»Mas à medida que se avança na sabedoria e na virtude, desligamo-nos dos desejos egoístas e elevamo-nos nos graus do amor.

Primeiro, só se ama a si mesmo, depois o outro e depois os outros.

Assim, «a benevolência nasce da concupiscência pois o amor nasce do desejo, do qual não é mais que a sublimação alegre e satisfeita. Este amor é uma virtude: querer o bem do outro é o próprio bem» (Ibidem, p. 349.)É o ideal. «O ideal da santidade», sublinha Kant. Ele guia-nos e ilumina-nos. É uma virtude pois é uma excelência.

E, milagre, «o amor que realiza a moral liberta-nos dela». «Ama e faz o que quiseres», dizia Santo Agostinho.O amor é pois, o começo de tudo.







(in Jean Guitton et Jean-Jacques Antier – Le Livre da la Sagesse et dês Vertus Retrouvées)

06/10/2004

nudez



...corpos nus entregues à luz do Outono, erguendo os braços numa prece de Primavera que tarda em chegar... momentos de paz e de solidão na companhia do cinzento da vida...

05/10/2004

nós, as palavras

Há já muito tempo que não nos vias, pois não? Sabes quem somos? Somos as palavras dele. Sabes quem é? É, ele tem-nos usado pouco, é um desleixado, um tonto ... enfim, um iletrado, pois não quer saber de nós. Sabes, o nosso esqueleto tem 23 ossos, são as chamadas letras do alfabeto. Com estes ossos formam-se coisas lindas e coisas feias, mas todas têm um nome: chamam-se palavras, é, palavras e como diz não sei quem, palavras levam-nas o vento. Por isso, ele tem medo que o vento nos leve e então guarda-as bem muito dentro dele. Lá muito no fundo, naquilo que vocês chamam de Alma, ou lá o que é. Mas também, não tem importância nós não sermos usadas quando nos usam para fins menos lindos. Gostamos mais que nos usem para coisas bonitas, para formar longas estradas cheias de nós, sabermos que estamos ali a dizer alguma coisa. Não é obrigatório sabermos o significado que nos dão mas temos a noção que temos significado. Depois também sabemos que são vocês que nos dão um determinado significado. Temos a noção que somos coisas giras e que formamos coisas bonitas, são as chamadas frases. Uma frase é formada por um conjunto de nós, palavras, e têm, pelo menos, um sujeito, um predicado e um complemento. Que giro, que coisas interessantes que vocês fazem connosco. Por exemplo a frase "Nós somos as palavras." Nesta frase existe um sujeito que somos Nós; depois tem um predicado, ou verbo como vocês dizem, que é a palavra "Somos" e, engraçado, o complemento é "as palavras", que giro, nós as palavras somos o complemento. Na verdade, somos o complemento de muitas coisas, por vezes de coisas menos bonitas, como já dissemos acima, mas temos o privilégio de sermos um sujeito e ao mesmo tempo um complemento. Repara que o predicado até nem é muito importante, pois se a frase for apenas formada por "Nós as palavras" toda a gente percebe o que é. Não temos dúvidas, nós somos importantes, Que giro. Já gostamos mais de nós mesmas. Até temos utilidade e para além de sermos um complemento, somos um sujeito. Um sujeito muito importante! Pois é, mas como íamos dizendo, ele tem-nos usado pouco; há coisa de um ano que ele deixou de nos dar importância, o malandro. Bem, mas nós, as palavras (que fique bem expresso, pois então), compreendemos perfeitamente as razões dele; ele diz, e com alguma razão (sabes, ele tem a mania de que tem sempre razão, é um convencido, mas não ligues, quando ele diz que tem razão se calhar é uma forma de ele estar vivo, de dizer de sua justiça de implementar, à força, a sua forma de estar no mundo, ele tem necessidade disso ... óh, como nós o compreendemos ... ) que nós devemos ser usadas mesmo sem o sermos, ou seja, podemos ser escritas ou ditas. Por acaso ele até nos usa melhor quando nos escreve, ele até fala pouco mas quando fala nunca mais acaba, é um chato; mas como íamos dizendo, ele diz que podemos ser escritas ou ditas e, é mesmo giro, mesmo sem sermos ditas podemos estar implícitas! É, pá, como nós somos importantes! Mesmo sem sermos ditas ou escritas...estamos implícitas! Que fino, não é? Como somos importantes! Pois é. Então, a verdade é que ele não precisa de nos usar na escrita, ele nos usa na Alma, no coração, na mente, na voz, nos actos, em todos os momentos da vida dele. Ele diz-te coisas mesmo sem nos usar. Nós estamos lá com ele e ele precisa de nós, mas nós entendemos que ele não nos utilize. Ele diz tudo o que tu precisas de saber mesmo sem nos usar. Ele diz-te tudo o que tu queres ouvir mesmo sem tu nos ouvires como palavras ditas. Ele fala-te tudo o que tu quiseres ler mesmo sem nos utilizar na escrita.Nós podemos dizer bem alto por escrito como podemos calar bem fundo mesmo quando gritadas. Somos nós a forma por vós todos usada para vos comunicardes, para vos entenderdes, para vos sentirdes felizes por vos saberdes juntos uns dos outros. Mesmo quando não nos usais podeis dizer com os olhos, com as mãos, com o saber ouvir, com o estar lá, com a angústia no peito, com o amor no coração. Mesmo sem nos usardes, vós podeis dizer uns aos outros o quanto se amam, o quanto se querem bem, o quando precisais uns dos outros. Sim, todos vós precisais uns dos outros; não podeis viver sozinhos mesmo que a solidão seja uma condição de vida. E ele, na verdade, tem-nos usado pouco. Mas nós compreendemos. Nós o conhecemos muito bem. Ele diz-te tudo o que tu precisas de saber mesmo sem nós. Ele diz-te ao estar a teu lado. Ele diz-te mesmo quando não está contigo. Ele fala-te com as mãos, com os olhos, com o coração, com a alma, com o riso, com a angústia, com a alegria, com o sofrimento, ele fala-te porque sabe o que é preciso saber de mais importante neste mundo: o saber que somos importantes para alguém. E tu, tu também o sabes, tu és muito importante para ele. Tu podes ler-nos perfeitamente mesmo sem ele nos usar. Bem, por agora vamos deixar-te. Até um dia destes. Beijinhos. Nós, as palavras.

02/10/2004

parir palavras

...eu gosto, gosto de repetir, repetir palavras, palavras repetidas, tantas quantas vezes me apetecer repetir, repetir vezes sem conta, não perdendo sentindo, ganhando sentido, na repetição, na adição, na multiplicação das palavras, palavras que leio, palavras que escrevo e repito escrevendo palavras repetidas, repetindo os sentidos, ousando repetir, significando vezes sem conta o mesmo sentido, palavras ditas, lidas, relidas, palavras amadas, sejam elas quais forem, palavras benditas, malditas, escritas ou mal escritas, lidas, relidas, ouvidas, soltas, pronunciadas, sentidas, palavras, somente palavras, sempre palavras, lidas, ouvidas, relidas, sentidas, amando palavras, brotando palavras, parindo palavras, fazendo-as ver a luz do dia e o negro da noite, quando a escrevo... Tenho sempre um bom parto quando dou à Luz uma palavra: Porque amo a palavra que pari...

01/10/2004

dia mundial da música



...SCORPIONS...

...os meus ídolos... e a minha música de eleição: Still Loving You...



(photo from: www.rock.2u.ru/)