29/11/2010

A caixinha de marfim

"...eram extremamente apelativos… estavam ali à minha disposição… em cima da mesinha de cabeceira... era uma caixinha escura que ela usava para ter à mão os comprimidos que a faziam dormir... nunca liguei qualquer importância ao valor daqu...ela caixinha e, no entanto, ela continha o passaporte para uma viagem, uma sem retorno... nunca houvera pensado nisso, excepto naquela noite… uma noite em que ela não estava ali deitada comigo (nunca mais estaria)… uma noite em que acabara de chegar de mais um bar e depois de ter ingerido um bom pedaço de álcool para me aquecer a alma tão fria e tão dormente que já nem a sentia... também, para que queria eu uma alma?... que é que ela me dá ou me faz?... a caixinha preta continuava ali... quantos comprimidos teria ela deixado desde a última vez que a encheu depois de os tirar da embalagem de marca do medicamento?... a minha mão direita estendeu-se para aquela caixinha preta tão apelativa como tão consoladora pelo imaginário que já me estava a provocar... não custaria nada e dormiria para sempre… tão bom... era disso que eu estava a precisar ou seria de mais um pouco de gin?... mas para tomar os comprimidos eu precisava de beber alguma coisa e essa coisa estava também ali à mão… debaixo da cama, talvez também deitada no chão por cima do tapete… teria ainda algum líquido?... o suficiente para engolir os comprimidos?... já não tinha forças para me levantar e ir buscar outra garrafa... a caixinha preta continuava ali e a minha mão já estava em cima dela... senti aquela textura (penso que era marfim) sob os meus trémulos dedos mas senti-a fria e um arrepio percorreu-me a coluna… ou teria sido outro tipo de arrepio?... não sei quanto tempo estive com aquela caixinha na mão... não sei quanto tempo demorei a tomar uma decisão... não sei quanto tempo a olhei com um turvo olhar... não sei porque razão não a segurei… dei por mim a olhar para ela sem saber para que é que ela servia e naquele momento apenas me apeteceu dormir… tão perto do derradeiro sono… tão desejado… ali tão à mão... reparei então que estava deitado sobre o lugar dela com o braço direito estendido para a mesinha de cabeceira segurando a caixinha preta que continha o passaporte para a derradeira viagem… tantas vezes assim estivemos… tantas vezes senti o seu calor, o seu respirar, o seu arfar… tantas vezes assim ficamos depois de fazermos amor... e, neste estúpido momento, repetia aquela posição estendendo a minha mão para uma viagem... não consegui conter o choro… não consegui aguentar as lágrimas… não consegui segurar a caixinha preta... não consegui partir... restou-me a certeza que no dia seguinte teria mais uma noite de frio..."

27/11/2010

Par

"... Entro no espaço que ocupo dentro de mim mesmo e tento perceber o que me rodeia para além dele... mas ao entrar dentro de mim fico perdido num labirinto de quereres e de indecisões, uma espécie de querer e de não querer e sinto que esse espaço que ocupo me dilacera a alma ou o que quer que lhe chamem... assim, ao olhar para todo o restante espaço, aquele que me rodeia, eu sinto que mais não sou do que um simples elemento de um todo que somos e do qual faço parte... entendo-me, então, como um facto e não como um desejo, um acto e não um acaso, um ser e não um abstracto... e tudo à minha volta faz sentido porque todo o resto não é mais do que eu mesmo extravazado para além de mim abarcando tudo o que tu és, tudo o que sou, tudo o que somos... e sinto, dessa forma, que o amor que existe entre nós não é um factor isolado mas um acto perfeito do que somos num só ser fundidos no acto de amar... e deixo-me ficar aí; e deixo-me ficar dentro de mim sabendo-me em ti ou deixo-me ficar em ti sabendo-me em mim e nesse mistério tão simples fica o Par, finalidade última do Amor..."

25/11/2010

A minha cidade

"... passeio pelas ruas da minha cidade... um cheiro intenso a vida, um odor repleto de vivências, aquilo a que chamo de experiências, de seres contidos em si mesmos e de seres virados para o para lá de si... pessoas que passam e pessoas que estão... vivem e não sabem que vivem porque apenas são... mas olho e vejo ao meu redor essa vida que não se vê e que não sai nos noticiários dos jornais televisivos nem nas parangonas dos tablóides... cheiro o perfume da urina nas esquinas e o sabor do odor do peixe frito nas varandas... o exalado pólen que vem das faias e das margaridas... o zunir das abelhas... vejo aquela mãe naquela varanda de peito de fora a amamentar o seu filho... vejo aquele miúdo traquina descendo a rampa no seu triciclo... os trilhos do eléctrico apanham um tacão desprevenido... e o senhor João da Camisaria Moderna, à porta, a todos que passam, dirige o seu cumprimentar sorridente... e ali vai a varina de cabaz à cabeça apregoando o carapau e a sardinha... no café do senhor José, o Soares está sentado a tomar a sua meia de leite com uma meia torrada e ao lado a senhora Miquelina assoa o nariz ao avental enquanto espera pela filha que foi ao hospital com o neto que havia rachado a cabeça a jogar a bola ali para os lados dos Guindáis... a vida percorre-me as veias como eu percorro a vida pela minha cidade... o Austin do senhor Carvalho acabou de passar e o fumo do escape aquece o chão que piso... a minha cidade tem vida e ninguém dá notícias dela... a vida não é notícia; esta apropria-se da morte que lhe dá valor e a desgraça vende; a guerra faz subir as audiências e o terror instala-se e provoca frenesim e a adrenalina sobe na pesquisa de mais um caso escabroso para contar... a minha cidade não tem notícias para dar... a minha cidade está viva e não vem nos jornais nem aparece nas televisões... e a minha cidade não tem nome nem vem no mapa dos homens; está apenas no meu coração..."

23/11/2010

Aceitar

"... um dia (não sei quando) disseram-me que entre o possível e o impossível se encontra a vontade do Homem... ao longo da vida, todos os momentos que eu vivi, foram momentos impossíveis de viver (porque a própria vida é um milagre e eu não acredito em milagres mas em causas que provocam consequências) mas como foram vividos, logo a impossibilidade tornou-se possível... ao longo da vida verifiquei que tudo o que me era dado vivenciar não havia sido "criado" por mim mas apenas estava ali e eu o vivia, eu o sentia, eu fazia parte desse momento... ao longo da vida eu fui verificando que tudo é complicado e ao fim e ao cabo tão simples pela simples razão que somente a simplicidade é autêntica, ou seja, olhar à nossa volta e sentir que tudo o que nos cerca é natural, normal, vida em si mesma, sem ornamentos nem floreados... não somos nós que estamos a enfeitar a vida porque as flores já existem... não somos nós que estamos a perfumar os ambientes porque os odores já circulam à nossa volta... não somos nós que descodificamos os códigos, os códigos já não são enigmas, os enigmas já não são complicados porque tudo é tão simples de entender, tudo é tão simples de vivenciar... nada é impossível, portanto, tudo é viável, basta aceitar..."

21/11/2010

Acção

"...quantas e quantas vezes, ou talvez não, pedimos um milagre... algo que nos mude a vida para melhor, algo que nos faça deixar de sofrer, algo que nos tire a lágrima que teima em correr, algo que nos permita sorrir para sempre e não mais ser dor... quantas e quantas vezes, ou talvez não, pedimos um milagre... algo que nos modifique a forma de ser, de podermos ser melhores ou até mesmo de podermos ajudar os outros... algo que tire o sofrimento no mundo, algo que permita a paz entre as pessoas... quantas e quantas vezes, ou talvez não, pedimos um milagre... um milagre para nós!... Estamos sempre a pedir um milagre na nossa vida; estamos sempre a pedir um milagre que nos tire a dúvida, a dor, a fome, o desânimo, a doença e tantas outras coisas que nos atormentam... tantas e tantas vezes e o milagre não vem e amaldiçoamos a prece por ela não ser ouvida... talvez fosse melhor não pedir um milagre... talvez fosse melhor sermos nós próprios o próprio milagre: mudarmos a nossa maneira de sentir o que somos e passar a sentirmos o que queremos ser; talvez nos baste sentir o que queremos e alegrarmo-nos com o que temos, com o que nos é dado usufruir... talvez nos baste sentir o que queremos ser e sermos o próprio milagre... quantas e quantas vezes, ou talvez não, pedimos um milagre e esquecemo-nos de o "fazer", de o "elaborar", de o "conquistar"... de sermos nós a agir..."

19/11/2010

7 anos


...o lobices nasceu nos blogues do Sapo a 19 de Novembro de 2003
...faz hoje, 7 anos!...
...7 anos de letras, palavras, emoções e imagens
...7 anos de interacção com os demais Bloguers, Amigos e Anónimos
...7 anos de palavras escritas saídas destes dedos dedilhando no teclado
...entendi então, dar-lhe uma prenda:
...manter a sua continuidade!
...o lobices-4, este blogue, que encerra toda a actividade desde o início e que irá dar continuidade ao mesmo, dentro dos mesmos termos e natureza
...estarei aqui por vós, para vós, por Amizade e doacção
...o meu abraço fraterno
...e lobices para todos
...bem-hajam

17/11/2010

Momentos

"... esses momentos existem... mesmo que sejam mui pequenos ou até mesmo, por vezes, efémeros, eles existem... e nós passamos por eles ou, se quiserem, eles passam pelas nossas vidas... mas, prefiro pensar que somos nós que os vivemos duma forma intensa, ou não, mas somos nós que os sentimos... depois, bem, depois fica o sabor de os termos vivenciado, de os termos saboreado e sabermos que jamais sairão da nossa vida porque foram nossos... ao terem sido nossos passaram a fazer parte de nós e vamos recordar esses momentos para todo o sempre... são momentos bons os que gosto de guardar dentro de mim... tento esquecer os momentos maus e sentir que apenas os bons foram reais... felizmente, tenho imensos momentos desses, desses momentos doces que ficam na minha memória e dentro do meu coração e ainda a vibrarem no meu corpo..."

15/11/2010

O primeiro

"... havia uma necessidade enorme de estar lá... não era somente desejo, era mesmo imperativo, quase mais que obrigatório... mas sentia que as pernas não se moviam e os braços estavam caídos numa postura de desalento... deixei-me ficar assim ainda mais um momento... tentei, então, mais uma vez, caminhar naquela direcção e fiz um esforço enorme para conseguir mover um pé... sabia que nem era necessário ter fé, bastava mover o pé... senti que uma fina dor me percorria a coluna mas nem por isso deixei de tentar... era preciso ir, era preciso caminhar... no fim do caminho estava apenas a meta a atingir mesmo sem saber qual ela era; no entanto, era certo saber que estava no fim da estrada, no meio do arvoredo... olhei em frente, sem frio, sem aquele frio do medo... havia apenas uns braços abertos e um sorriso na face; e uns olhos brilhando... ouvia um som repetido, uma batida ritmada... esse som chamava-me, clamava por algo que eu não sabia ser o que era... num tremendo e último esforço a minha perna avançou e senti que a coluna se fixou... houve uma espécie de tontura mas o esforço valeu a força precisa para fazer avançar o outro pé... nesse momento senti-me cair mas não cheguei a tocar o chão... uns braços fortes enlaçaram-me e elevaram-me no ar... só muitos anos mais tarde vim a saber que aquele tinha sido o meu primeiro passo..."

13/11/2010

A partida do meu avô Nogueira

Viveu uma vida plena: cheia de valores morais do mais elevado que eu já conheci; viveu no seio da sua família que defendeu até ao último dos seus dias; viveu a harmonia do bem em companhia com a doçura da paz, mas ao mesmo tempo da ordem e do respeito por si próprio e pelos outros; homem com H grande, respeitador dos seus deveres e dos seus direitos, nunca ofendeu e nunca se sentiu ofendido; sempre perdoou e talvez também tenha sido perdoado se de algum pecado o tivessem acusado...
Viveu conforme a vida que lhe foi proporcionada e aceitou que a mesma tivesse tido o bom e o mau que ele soube enfrentar e dar de si próprio na defesa do bem comum nomeadamente na defesa de todos os que dele dependiam.... Ver mais
Hoje, mais de 50 anos passados da data do seu último dia neste mundo, ainda sinto uma enorme saudade daquele que foi meu "amigo" muito especial, um amigo daqueles que nunca se perdem, daqueles que estão e para sempre ficam na nossa memória, daqueles que recordamos com muito amor e carinho, daqueles que lembramos com orgulho por terem sido "dos nossos" !
Hoje, ao vir aqui lembrar a sua existência, apenas quero prestar a homenagem que nunca lhe prestei, a homenagem de vos dizer o quanto gostei daquele homem que soube sempre indicar-me qual o caminho a seguir e qual o caminho a evitar; nunca me proibiu de fazer isto ou aquilo, apenas me dizia que pensava ser melhor para mim se eu o fizesse daquela determinada maneira: teve sempre razão, pois ainda hoje sigo os seus eternos conselhos.
Ao vir aqui lembrar, não o seu nome, pois não o conheceram e portanto o seu nome não interessa, mas sim a sua memória, pretendo apenas relembrar com amor aquele que representou para mim algo de muito especial, na medida em que tive o privilégio de assistir ao momento crucial da sua partida, ao momento muito especial em que ele deixou de existir fisicamente para passar a existir, para todo o sempre, na nossa memória, na memória que nunca nos deixará também até ao último dos nossos dias.

....
e foi assim:



Tinha eu treze anos quando ele acamou com uma dessas doenças que não perdoam, mas que ele aceitou, consciente da sua pequenez neste mundo, consciente que aquela era a vontade de alguém mais forte que toda a força desta vida, para aquém e para além desta que temos.
Durante dois anos houve momentos de dor e houve momentos de paz; nesses momentos mais felizes de paz, lá ia eu de mão dada com ele passear um pouco para aliviar a carga psicológica que ele sabia carregar e aguentar firme como uma rocha; pequeno de estatura, e magro para além da magreza da própria doença, ele dava aqueles passos com a firmeza de um homem que nada tinha a temer e tudo tinha a enfrentar; ele dava aqueles passos com a firmeza de um homem que não tem medo de nada, nem daquilo que ele já sabia ter de enfrentar um dia.
Os seus passos pequenos, mas firmes, faziam compasso com os meus, ainda pequenos também pela idade ainda de criança, mas sentia-me como que o guardião daquele homem que naqueles momentos estava à minha responsabilidade e isso dava-me uma grande felicidade por estar a seu lado; também eu tinha consciência da doença que o minava pouco a pouco, também eu tinha forças para enfrentar aquela estranha harmonia de paz que nos rodeava aos dois; uma paz diferente, um bem estar compartilhado e interligado pelas duas mãos que se davam uma na outra, como dois cúmplices conscientes do "crime" que estavam a cometer a bem da harmonia e da paz de espírito, pois era carinho o que nos rodeava e envolvia.
Mas o dia da partida (ou da chegada como ele dizia às vezes por brincadeira) estava próximo. E quando esse dia surgiu ele teve consciência desse facto e soube-o enfrentar com uma dignidade que ainda hoje respeito e sempre respeitarei.
Deitado na sua cama e eu sentado a seus pés ele me olhou: os seus lábios já muito finos, mas firmes, disseram: "Vai chamar a tua Avó". Corri pelo corredor e fui chamar a minha Avó que, como sempre (toda a sua vida), estava agarrada aos tachos no fogão de lenha; na cozinha pairava um cheirinho a sopa quente (Meu Deus, que saudades !).
"Bó.. o vô chamou-a."
Ela largou o fogão, limpou as mãos ao seu avental e dirigiu-se para o quarto onde ele estava; segui-a logo.
Ela entrou no quarto e eu fiquei à porta vendo.
Naquele momento, todo ele se transformou: na sua frente estava a sua Maria de todo o sempre, a Maria que sempre o acompanhou e que lhe deu as quatro filhas que ele tanto amou, a Maria que tantas vezes ele arreliou e ela perdoou. Na ombreira da porta eu assisti: a sua face pálida ganhou cor, os seus olhos pequeninos brilharam de plena felicidade e a sua boca se abriu com um enorme sorriso ( o maior e mais bonito sorriso de felicidade que eu já vi em toda a minha vida !) e disse: " Maria, senta-te aqui."
Minha Avó se sentou à cabeceira da cama e ele com o mesmo sorriso disse já numa voz mais apagada: " Abraça-me."
Minha Avó o entrelaçou e eu vi os seus olhos pequeninos fecharem-se para todo o sempre, acompanhado com aquele sorriso lindo de felicidade !

Devia-te esta homenagem, Avô !

O teu neto Joaquim

11/11/2010

Dia de São Martinho

Reza a lenda que por esta altura do ano o tempo seria bom, com sol e calor... reza a lenda que São Martinho distribuía vinho aos passantes... reza a lenda que São Martinho de tornou Santo por ter feito esse (ou outros) milagres... reza a lenda, porque ontem ainda a ouvi na Praça da Alegria na RTP 1, que S. Martinho está associado ao vinho e como é época de castanhas, o povo então passou a comemorar esta data com um ritual de comer castanhas e beber o vinho... se é assim ou não, vinho às refeições, bebo-o sempre... mas hoje não vou comer castanhas... e o tempo não está quente... dizem que o Verão de S. Martinho já o foi há dias atrás... agora as coisas já não são como eram, são como acontecem... no entanto, hoje é dia de S. Martinho e, se puderem, comam castanhas e provem o vinho... mantenha-se a tradição que é algo que faz bem ao nosso coração (pelo menos, dizem que faz bem às artérias)...

09/11/2010

Lamentação

"...dou por mim, às vezes, a lamentar a minha situação numa espécie de resignada forma de aceitar o que tenho de enfrentar; outras vezes, quase entro em desespero por me sentir incapaz de resolver o problema; ainda noutras ocasiões, sorrio e enfrento... existem lágrimas por vezes porque apenas o amor me traz o sorriso... então, há sempre alguém que me segreda que há sempre outrém que está em piores circunstâncias... eu sei que isso não me alegra mas faz diminuir a tensão... então, recordo aqueles anos em que andei a acompanhar aqueles grupos de assistência aos sem-abrigo... recordo e sinto o frio que eles sentiam... recordo e vejo o sorriso deles ao receber a sopa quente, o pão, o leite, o cobertor e tantas e tantas outras coisas que lhes dávamos entre a meia noite e as 3 das madrugada aos fins de semana... recordo e vejo-os deitados nos vãos de escada, debaixo das arcadas, embrulhados em caixas de cartão, com a cara tapada para que o bafo da respiração os ajudasse a aquecer... recordo e vejo-os sós, de olhos brilhando nos meus olhos, e eu apenas estendia a mão para entregar o que podia entregar... a raiva instalava-se dentro de mim por não poder gritar ao mundo aquele sofrimento... a dor deles passava para mim por eu não poder fazer mais nada... ali ou aqui bem perto no meu Porto, nas ruas, nas praças, nos recantos, nos jardins... na verdade, o meu problema actual não é nada se comparado com aquele sofrimento... dei um pouco de mim naqueles tempos, naquelas noites em que descobri o meu Porto que desconhecia... amei a dor tentando minimizar a dor deles... naquelas noites aprendi que também era possível amar, sofrendo... naquelas noites aprendi o que não sabia ser possível aprender... hoje, num dia frio e chuvoso, lembrei-me deles e aprendi que afinal o meu problema é de somenos importância..."

07/11/2010

Uma carta

“...a carta que escrevo aqui e agora é o que "eu" sinto e penso da vida e não "serve" para todos... não há respostas definitivas e únicas para todos nós... vivemos num mundo de desafectos em vez de vivermos num de afectos... vivemos num mundo onde o sentirmo-nos bem com a nossa própria identidade é já tão dificil que
usamos estas identidades "falsas" para podermos falar e ouvir... já nos falta a "coragem" de enfrentarmos os outros, de olharmos os olhos uns dos outros e dizermos a quem estiver na nossa frente o que sentimos, o que pensamos, o que queremos, o que temos, o que podemos ser e, principalmente, o que podemos dar... a vida já vai longa para mim e já vivi muito e quase tudo o que um homem pode viver... passei de tudo um pouco e os anos foram-me tornando "duro" e um pouco "sóbrio" perante as bebedeiras da vida... a vida não é fácil e tudo o que a vida nos dá é pouco porque queremos sempre mais e melhor... passamos a vida a lutar por um lugar ao sol e esquecemos o quanto bom é refrescarmo-nos numa sombra... passamos o tempo a "querer", passamos o tempo a "desejar", passamos o tempo a "ter", a "possuir", a "querer ter ainda mais"... esquecemo-nos de dar!... e, um dia, ficamos de mãos vazias e ficamos sem nada e lamentamos termos ficado sem tudo o que haviamos tido... que desgraça enorme... perdi tudo, inclusivé o amor!... tudo o que tinhamos se foi... e passamos a ser uns eternos infelizes!... errado!... nunca tivemos nada!... porque não somos donos de nada!... nada temos!... nada possuimos!... nada é nosso!... só dando é possivel ser feliz!... desejar tudo de bom para o outro!... darmo-nos aos outros de todas as formas, de todas as maneiras... não pretender sermos amados... amar somente... a felicidade está em amar, tão somente em amar e sentir que amar é estar feliz consigo mesmo... amar sem posse nem destino... amar incondicionalmente... não chorar sobretudo porque é preferivel sorrir e mesmo que por dentro a alma se parta aos bocadinhos que nos reste um sorriso nos lábios para dar aos outros... foi isso que aprendi ao fim de muitos anos... não fui, não sou nem quero ser dono do que quer que seja... quero olhar e desejar que todos estejam melhor do que eu... escolho o melhor para o meu semelhante... ao fazer isto faço-o com alegria, com gosto e sou feliz!... é esta a resposta: não há caminhos para a felicidade... esta, a felicidade em si mesma, é o verdadeiro caminho... não interessa que estradas havemos de percorrer, o que interessa é caminhar com a certeza de que "escolher" o melhor para o outro é a base do meu bem estar... sentir que com essa "escolha" eu estou a caminhar e não à procura do caminho... estas palavras não "servem" para todos, eu sei... mas não sei outras... tudo o que possais ler nos meus escritos é uma mistura de credulidade e de incredulidade... é uma mistura de fé e de raiva... é uma mistura de sim e de não... pela simples razão que precisamos dessa "balança" para o nosso equilíbrio... mas, o cerne da questão está lá, nas entrelinhas e estas são as que acabo de escrever... não sei se era "isto" que querias ouvir, se era esta a "mão" que precisavas...acredita que é a única que tenho e dei-te o que tinha: tempo, palavras e um desejo firme de felicidade para ti, meu irmão!...

05/11/2010

Estender as mãos

“... estendo as mãos ao futuro na ânsia de o alcançar... revejo-me nele como se fosse hoje o que estou a viver... mas depressa caio em mim e sei que estou a sonhar... nada mais que um breve sorriso e um beijo nuns lábios sedosos, como mel que ainda escorre na minha pele... um doce desejo de voltar a sentir esse doce desejo de abraçar-te num voltear de dança parada na imagem do momento ali focada... num sentir que nada se sente para além do amor que existe mesmo e não nos mente... lateja nas nossas faces de rosadas que se tornam da loucura que nos invade e das mãos que se movem na procura... cabeças que se tocam e se enlaçam em cabelos revoltos misturados com os dedos que os afagam... e os braços remetidos à sua função de prender ali, naquele momento, a eternidade do abraço... e os olhos se olham, se miram e sorriem enquanto os lábios se molham no mel de um beijo prolongado, húmido, molhado, doce doçura de tanta candura e desejo... e a boca de vez em quando entreaberta para pronunciar a palavra certa, a palavra aguardada, descoberta, límpida de tudo e do nada pela simplicidade da verdade que existe quando se pronuncia o quanto se ama, o quanto nos preenche e nos invade a Alma...”

03/11/2010

Exposição

“…queria expor a totalidade do meu ser no teu corpo; deitar-me nele e descansar… esperar a manhã seguinte sem alterar a forma de sentir… vibrar apenas com o facto de me saber em ti pousado ao de leve, de mansinho, como se lá não estivesse… delirar com os teus movimentos e sentir o meu corpo mover-se ao som dos teus… olhar-te os seios e sorrir nos teus mamilos… ver teu ventre quieto, dolente, ali à minha frente… tua sedosa pele em cheiros de jasmim ou de rosa pétala… deixar-me levar pelo teu sonho e pelo teu respirar… ondular… marear… vogar… fluir, ser e estar… e quando do sono o teu ser acordar eu olhar teus olhos matinais e neles me afogar… suster a respiração e desfalecer nos teus braços…”

01/11/2010

Espelho

“…torno-me espelho de mim mesmo e a luz que em mim me toca, se reflecte no exterior do meu ser… espalho o que sou no espaço em meu redor… vejo-me diverso e dividido em milhares de partículas de luz, facto que tanto me seduz… porém, receio quebrar-me em mil pedaços e perder a magia destes meus ténues passos pelo mundo da fantasia… elejo-me mentor de mim mesmo e, sereno, torno-me pleno daquilo que sou: uma partícula apenas no meio do nada que me rodeia… mas a minha imagem, por todos os lados dividida, semeia no espaço em que me insiro tudo o que tenho por pouco que seja e eu sinto que a verdade deste louco imaginar, mais não é do que o desejo de o ser, de em mil imagens me tornar e… me dar…”